Responsável pelos centros de referência de assistência social em Recife defende importância de prontuário padronizado para o sistema de proteção social

Brasília, 16 de julho de 2015 – Após aderir ao Prontuário do Sistema Único de Assistência Social (Suas), Recife potencializou a qualidade da atenção prestada pela assistência social no Brasil (leia a matéria aqui). Segundo Andrezza Sandrelly, chefe da Divisão dos Centros de Referência de Assistência Social (Cras) em Recife, o uso de instrumentos padronizados permite dimensionar a vulnerabilidade social e ajuda os gestores de políticas de proteção social a identificar estratégias para a superação da extrema pobreza.

“A organização dos dados transforma as discussões, que impactam positivamente a perspectiva dessas famílias para um futuro diferente do que elas vivem hoje”, diz Andrezza. Ela destaca o papel do sistema de proteção social no Brasil como política pública como um exemplo a ser considerado no cenário internacional.

World Without Poverty: O que é o Prontuário Suas?

Andrezza Sandrelly

Andrezza Sandrelly: O Prontuário Suas é um instrumento elaborado para melhoria na organização do acompanhamento familiar nos Cras e Creas [Centros de Referência Especializados de Assistência Social]. Ele dá a possibilidade de se compilar uma gama de informações sobre os usuários por meio do registro de vulnerabilidades, riscos, violações etc., e permite registrar intervenções no decorrer do acompanhamento. Os dados refletem no aprimoramento do processo de trabalho e, consequentemente, na qualidade das ações dos profissionais para as famílias e os usuários do Suas.

A partir do momento em que ele padroniza os dados, ele facilita tanto para o técnico quando para a família, pois mesmo que a equipe sofra alterações, a família terá todo o seu histórico registrado. É uma forma de manter a memória da família, sem risco de perda de informação.

WWP: Qual a diferença do prontuário Suas para o Cadastro Único (CadÚnico)?

AS: A principal diferença é o objetivo. O prontuário Suas não é um cadastro, é um registro de informações de acompanhamento das famílias acompanhadas pelo Cras –aquelas em situação de vulnerabilidade em decorrência da pobreza, com vínculos familiares e comunitários preservados ou fragilizados – e acompanhadas pelo Creas – aquelas em situação de violação de direitos e vínculos familiares fragilizados. Ele elenca dados gerais da família, como domicílio, composição, renda, até dados da intervenção técnica e do desligamento do serviço, ou seja, ele traz um conteúdo com uma visão completa do contexto familiar, com toda a evolução do acompanhamento.

Já o CadÚnico é um cadastro que identifica as famílias de baixa renda em nível federal, então a amplitude é maior do que o prontuário, porque podem se cadastrar famílias com renda mensal de até meio salário mínimo por pessoa, ou renda mensal total de até 3 salários mínimos. A finalidade do CadÚnico é de ser um cadastro geral federal para conhecer a realidade socioeconômica das famílias e possibilitar o acesso a programas sociais nas três esferas de governo, além de ser considerado um banco de dados que podem se destinar investimentos para políticas públicas e dá uma fotografia geral sobre a realidade brasileira.

Os dois são avanços no Suas e têm momentos em que eles se encontram, pois os dados mais gerais do Prontuário Suas podem ser extraídos do CadÚnico [domicílio,composição familiar, renda, etc.], assim como também o CadÚnico serve para se identificar um bairro com dados mais vulneráveis e implantar um Cras, por exemplo.

WWP: O Prontuário Suas é uma ferramenta recente. Como era realizado o registro do trabalho social no seu município antes de existir o prontuário unificado e o que mudou com a adesão? Quais as principais vantagens em se trabalhar com a sistematização das informações e a padronização dos dados?

AS: O registro do Recife era realizado na Ficha de Informação Familiar (FIF), criada pelas equipes do Cras e da vigilância socioassistencial. Nesse documento constavam as informações gerais da família e as evoluções do acompanhamento, porém, era muito restrito, um documento menor.

A adesão mudou o aprimoramento das informações, a ampliação da discussão sobre a qualidade do acompanhamento, o aumento no número de avaliações desse acompanhamento e a consulta ao CadÚnico, o que ampliou as discussões. A padronização dos dados possibilitou a melhoria da qualidade das atividades realizadas, a visibilidade das habilidades pela gestão municipal e o melhor investimento nos serviços, além do avanço qualitativo no acompanhamento familiar devido ao preenchimento mais criterioso.

WWP: Recife é um dos municípios pioneiros na utilização do prontuário. Quais etapas vocês passaram para inserir o prontuário no dia a dia do trabalho social? Qual o principal desafio nessa implementação? O que ainda está sendo testado pelas equipes?

AS: Hoje todos os Cras do Recife utilizam o prontuário Suas para as famílias com acompanhamento do Paif [Serviço de Proteção e Atendimento Integral à Família]. As etapas se iniciaram com discussões internas da gestão com a Gerência de Proteção Social Básica, a Divisão dos Cras e a Coordenação dos Cras. Após compreendermos internamente a relevância do documento, decidimos que, a partir daquele momento [agosto de 2013], tínhamos que, paulatinamente, substituir a FIF pelos prontuários nas famílias em acompanhamento e que, para as famílias novas, o prontuário já seria a ferramenta de registro do acompanhamento. As coordenações do Cras tiveram a tarefa de trabalhar as equipes com o objetivo que todos entendessem a importância do Suas.

Nesse ínterim, nos deparamos com resistências de alguns profissionais por ser um documento muito longo, que deixaria o usuário impaciente, e fomos num processo de sensibilização desses profissionais. Depois, o MDS [Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome] realizou uma capacitação do uso do prontuário e designamos um profissional do Cras para realizá-la e, em seguida, organizamos um treinamento com os profissionais do Cras para tirarem suas dúvidas, em que o técnico foi o multiplicador de conhecimento na equipe. Na minha percepção, o treinamento horizontalizado, de técnico para técnico, facilitou a adesão dos prontuários pelos Cras.

Treinamento dos técnicos em Recife: "O treinamento horizontalizado, de técnico para técnico, facilitou a adesão dos prontuários pelos Cras", diz Andrezza Sandrelly. Foto: Cras Recife/Divulgação

Treinamento dos técnicos em Recife: “O treinamento horizontalizado, de técnico para técnico, facilitou a adesão dos prontuários pelos Cras”, diz Andrezza Sandrelly. Foto: Cras Recife/Divulgação

O desafio da implementação é a quantidade de famílias acompanhadas pelo número de profissionais, pois o prontuário requer mais informações, mais qualidade e mais tempo no acompanhamento, e a proporcionalidade entre técnico e famílias ainda não é suficiente. Acho que temos que investir mais na qualidade das informações, e assim, quem manuseia vai sugerir modificações no próprio documento.

WWP: O que um gestor internacional pode aprender com essa experiência de Recife?

AS: Um gestor internacional pode entender que existe um sistema de proteção social no Brasil trabalhando a assistência como política pública e que, para sua operacionalização, são criados instrumentos como o Prontuário Suas. O Recife se propôs a aderir ao prontuário, permitindo dimensionar a quantidade de famílias em situação de vulnerabilidade social acompanhadas nos Cras e Creas através do PAIF, além da qualidade desses acompanhamentos e o empoderamento das famílias ao acessar os seus direitos.

Por meio das informações do prontuário, o gestor pode dimensionar a vulnerabilidade social no Brasil e identificar estratégias para a superação da pobreza extrema, além de perceber o quanto a organização dos dados transforma as discussões que impactam positivamente a perspectiva dessas famílias para um futuro diferente do que elas vivem hoje.